Este lugar é meu


« Toda a gente quer um lugar que seja seu e às vezes não é fácil termos o nosso lugar. Um lugar que seja nosso, que possamos dizer “ Este lugar é meu!” como se isso fosse para sempre. Nada é para sempre. O mundo mudou e há cada vez menos lugares fixos. É difícil estacionar em dias de muito movimento, porque quando pensamos que finalmente encontramos um lugar, percebemos que do outro lado da rua, com os piscas ligados, está um carro que de vidro aberto nos diz: “Esse lugar é meu”. E é mesmo. E não há nada pior do que roubar um lugar que sabemos não ser nosso.
Eu tenho um lugar na mesa que ninguém rouba. É meu. É em frente ao televisor e toda a gente sabe disso. É frontal para eu ver as imagens das notícias e sobretudo para perceber se há novidades do Benfica, onde normalmente aproveito para aumentar o volume ou pedir a alguém que esteja perto, para o fazer por mim. Não sei porquê, mas as notícias do meu clube soam-me sempre baixo e eu quero, invariavelmente, ouvi-las mais alto. De tal forma, que a realidade do que é me é dito, com frequência me parece ensurdecedora.
O meu lugar, o nosso lugar, não é mais do que um hábito muito repetido. Ninguém diz que aquele é o seu lugar na mesa, se já ali não se tiver sentado muitas vezes. Ninguém revela com segura propriedade que o seu lugar no sofá é aquele, se nesse mesmíssimo local já não tiver adormecido umas quantas vezes, a ver um filme do Jackie Chan. Há pessoas que se transformam num lugar por passarmos tanto tempo com elas. Há pessoas que são o nosso lugar preferido. E daí as habitarmos como se fossem um quarto, uma casa ou uma cidade que gostamos muito. Alguém disse que o amor é um lugar estranho. E aqui entre nós, tinha razão.
O nosso lugar pode ser na carteira da sala de aula, no canto do recreio, no carro, na empresa, na equipa, na cama, nesta coluna do lado esquerdo do jornal. Sempre deste lado. Do meu lado. Mas é preciso ganhá-lo e depois mantê-lo, o que não se afigura fácil. Os lugares no momento actual começam a assemelhar-se aos condutores que não respeitam as filas, e que fingindo ir numa outra direcção, lá adiante se metem à nossa frente, à má fila, sem mostrar qualquer constrangimento. Ao menos pedissem, mas nem isso fazem. Possivelmente, os mesmos que cedem o seu lugar para os velhos nos autocarros, enquanto nas empresas – só por serem mais novos – lhes roubam os empregos. Possivelmente os mesmos, que um dia assaltarão este lugar, que no dia de hoje sei ser meu. »

Este lugar é meu, de Fernando Alvim 



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